terça-feira, 27 de setembro de 2011

Cena de Hospital



Eu não sei como é que faz para entrar num hospital sem ficar deprimido, principalmente quando se entra num hospital com alguém que está com depressão. Acontece que quem está com depressão é minha irmã. E conosco estava com uma pessoa que também já teve depressão e que ficou o tempo todo me dizendo que não fui uma pessoa legal quando ela estava assim. Eu tenho essa mania: me defender das porradas da vida com agressividade. É meu jeito, fui educado para agir assim. Agora eu preciso admitir, tantos anos depois, que as coisas não são desse jeito. Que todo mundo pode ficar deprimido, cortar os pulsos, pular de um prédio ou simplesmente ir para a cama de um hospital e ficar lá, em silêncio, com os olhos cheios d'água, sem comer, sem beber, os olhos vazios, a veia espetada e ligada a um frasco de soro, contando as horas, os minutos e os segundos, como está acontecendo com minha irmã.
Eu não sei como é que se faz para entrar em depressão. Por mais porrada que eu tenha levado da vida, por mais injustiça, solidão, cachorrada, filhadaputice, traição, ingratidão e toda a porquice que encontrei ao longo desses 17.540 dias em que arrasto minha carcaça por este mundo podre, nunca consegui ter depressão. Fico deprimido assim, como todo mundo quando está chateado, querendo mandar as pessoas à merda, querendo matar o serviço para ficar vendo a Sessão da Tarde. Mas a depressão mesmo, aquela que faz a gente querer matar a professora e depois dar um tiro na cabeça, essa eu nunca tive. E num mundo de loucos como este em que estamos vivendo, parece que há um número crescente de pessoas querendo nos condenar pela nossa incapacidade de adoecer. É como o obeso, que olha com indisfarçável reprovação para aquele que, mesmo se fartando à mesa, tem o corpo esbelto.
Vi um menino, do lado de fora do ambulatório, no colo da mãe. A mulher estava desesperada porque o filho, um bebezão lindo, não consegue mexer o braço direito. O médico chegou, apalpou, descartou quebradura. Mas levou para a sala do raio X. A mãe foi atrás, suspirando. Às vezes eu tenho vontade de dizer aos deprimidos que eles roubaram o meu texto nesse teatro absurdo que é a nossa existência. Eu sempre achei que a vida é uma batalha inútil, pois no final morrem o mocinho e o bandido. Mas justamente eu é que tenho que deixar o meu texto de lado para dizer que a vida é legal e que no final vai dar tudo certo. Sou como o menino, só que é o coração que às vezes eu não sinto mais. Gente, será que isso é depressão!!??

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Golpes baixos terão resposta à altura.