sábado, 30 de abril de 2011

Resíduo - Carlos Drummond de Andrade




(...) Pois de tudo fica um pouco.
Fica um pouco de teu queixo
no queixo de tua filha.
De teu áspero silêncio
um pouco ficou, um pouco
nos muros zangados,
nas folhas, mudas, que sobem.

Ficou um pouco de tudo
no pires de porcelana,
dragão partido, flor branca,
ficou um pouco
de ruga na vossa testa,
retrato.

(...) E de tudo fica um pouco.
Oh abre os vidros de loção
e abafa
o insuportável mau cheiro da memória.

A besta, a mãe e a cria

Poucas coisas me comovem mais do que a forma como algumas mulheres se dedicam a seus filhos. Eu sei que é uma coisa instintiva, animal, aquele negócio da fêmea que cuida da cria pela preservação da espécie. Mas é comovente porque no fundo, se existe amor no estado puro, esse é o amor entre mãe e filho. Porque uma criança, no fim das contas, ama sem outro interesse que não seja o de amar. E uma mãe ama sua cria sem outro interesse que não seja o de vê-la crescendo bela, pronta para enfrentar e vencer os desafios do mundo.
Em instantes, vou me encontrar com minha mãe. Vou beijar seu rosto cansado, de quase 70 anos, tocar suas mãos sempre quentes, ouvir sua voz reclamando de mil doenças e de cinco mil tipos de dores pelo corpo. Mas eu vou comer o frango em molho que ela faz, divina e incomparavelmente. Frango em molho, arroz branco, pão e vinho. Vamos falar sobre as coisas do mundo e o mundo das coisas. Ela vai me perguntar por que eu escolhi o sábado à noite, vai dizer que eu devia estar por aí, com amigos, com uma namorada, essas coisas. Mas vai se sentir feliz em me receber e em ter a minha companhia.
Vou levar antecipadamente o meu presente do dia das mães, porque nesta data estarei no Mato Grosso e, no dia 13, embarcando para a Europa.
Quando vejo esta foto aí embaixo, eu divago de modo incontrolável. Já fiquei olhando para ela por quase uma hora. A crueldade do nazista disparando sua arma me gela inteiro. Quem mais, além do fotógrafo, estava ali, presenciando a cena? O que sentiram e pensaram essas pessoas? Teria havido pelo menos um espasmo de revolta em alguém? Mas o que faz desta foto a cena mais intrigante e cruel de todas as que vi daquele período negro em que foi mergulhado o mundo durante a Segunda Guerra é a forma como a mãe, no seu instinto irreprimível, tenta ingenuamente proteger a criança da besta que se precipita em sua direção com toda a ferocidade.
Paro por aqui, para não perder o apetite.

sábado, 23 de abril de 2011

O lado que eu gosto da Fergie




Tem gente que diz que eu só gosto de música velha. Vocês estão parcialmente corretos. Há um lado das cantoras modernas que me atrai. Está aí a Fergie que não me deixa mentir. Estou amolando os dentes...

Born To Be Blue


Words & Music by Mel Torme & Robert Wells, 1946
Recorded by Nancy Wilson, 1960


G Bb9 Cm7-5 G
Some folks were meant to live in clover,

G Bb9 Am7 D7
But they are such a chosen few;

G Cm G G6 Cm7-5
And clover, being green, is something I've never seen,

G Cm7 D9 D7
'Cause I was born to be blue.


G Bb9 Cm7-5 G
When there's a yellow moon above me,

G Bb9 Am7 D7
They say that moon beams I should view;

G Cm G G6 Cm7-5
But moon beams, being gold, are something I can't behold,

G Am7 D7 G
'Cause I was born to be blue.



Bridge:


Am7 D7 Am7 D7
When I met you, the world was bright and sunny;

Am7 D9 D7 G
When you left, the curtain fell.

E7 A7 E7 A7
I want to laugh, but nothing strikes me funny;

A7 Am7 D9 Am7 D7
Now my world's a faded pastel.


G Bb9 Cm7-5 G
Well, I guess I'm luck - i - er than some folks --

G Bb9 Am7 D7
I've known the thrill of loving you,

G Cm G G6 Cm7-5
And that alone is more than I was created for

G Am7 D7 G
'Cause I was born to be blue.

sábado, 16 de abril de 2011

Voltamos após os comerciais

As grandes paixões do Canibal - Zoe Tamerlis Lund





Vou confessar uma paixão para vocês: Zoe Tamerlis Lund. A boca da Angelina Jolie é o maior monumento de Hollywood, mas a boca da Zoe tem um efeito devastador na minha vida. Este portrait em preto e branco eu acho uma coisa sublime. Pena que seus melhores trabalhos no cinema tenham ficado num círculo tão restrito. É por causa de pessoa como Zoe que eu tenho ódio da cocaína. Fiz até um poemeto para ela. É assim:

O que tenho de admiração
pela sua boca
sobra em ódio pelo seu nariz
Voe, corra, Zoe
Pelas madrugadas de Paris
Cheira o branco do maldito giz
Os bons partem mais cedo
Não é isso que você quis?

sábado, 9 de abril de 2011

Gordura na consciência



Estou me sentindo meio gordo. Três vezes nesta semana, fui a um restaurante que serve carne grelhada. Prefiro tudo mal passado. De preferência, pingando sangue. Com os complementos a que todo glutão tem direito: massas, quitutes e muita batata. Como sou disciplicado para comer (nada entre uma refeição e outra, até por absoluta falta de tempo), sempre acho que posso abusar nessas horas.
Descobri que vou a esse restaurante - e pego sempre a mesma mesa - também porque uma moça encantadora vem a todo instante repor os alimentos na aparadouro. Ela sorri para todos, inclusive para mim. Outro dia, sorrindo para ela enquanto comia um torresmo, mordi a ponta do dedo indicador, criando uma situação constrangedeora.
De uns tempos para cá, num sentimentalismo hipócrita e piegas, comecei a observar um pedinte que ronda o restaurante e a me condoer com a sua situação. Eu o apelidei de Marechal, pois tem uma barba e um jeitão que lembra muito o marechal Deodoro, só que suas roupas são todas puídas e carrega um monte de bugigangas em dois ou três sacos que sempre arrasta de uma sombra a outra, sob as árvores próximas, fugindo do calor nesses dias de abril.
O Marechal descobriu meu fraco. Encosta na janela do restaurante e fica olhando cada garfada minha, cada movimento do maxilar, cada engolida. Eu me sinto um verme, uma ameba, um protozoário, um desses organismos unicelulares, primitivos, atrasados, por ter em frente um prato de comida e não conseguir comer direito porque do lado de fora está o que a demagogia oficial rotulou de excluído.
Comprei uma marmita para o Marechal, mais por curiosidade (que vergonha!) do que por ato solidário. Aconteceu o que eu previa: ele quase que devorou tudo sem tirar o papel alumínio, lambendo depois os dedos, ainda na sofreguidão da fome infinita. Pensei em não voltar mais ao restaurante, estou precisando perder peso. Mas a boa comida e o sorriso da moça das travessas compensam o olhar inconveniente do Marechal. De um jeito ou de outro, todos temos que preencher esse vazio interior.

sexta-feira, 8 de abril de 2011

Para salvar a semana

Esta bela foto, feita por Nuno Monteiro, nos mostra que por algumas coisas a vida ainda vale a pena.

E por falar em violência

Veja que bela sacada. É o cartaz para o Dia Nacional Contra a Violência Doméstica, que diz no destaque: "Um abusador nunca reconhece a si mesmo como tal".

O massacre da escola do Realengo



Vejo as cenas desse massacre no Rio de Janeiro e fico pensando no percentual de pessoas nesse mundo que teriam coragem de fazer a mesma coisa. Porque de forma alguma esse maluco é um vírus isolado, compreendido e bem explicado. Em outros países, isso vem ocorrendo com certa freqüência. Aí começo a pensar se por baixo desse verniz, ao qual damos o pomposo nome de civilização, não dorme em todos nós, com maior ou menor intensidade, a figura do carniceiro. Um dia esse monstro acorda. Aí invade um país, faz uma guerra, extermina um povo, fabrica bombas incendiárias ou simplesmente entra atirando numa lanchonete, num shopping ou numa escola.
O ser humano é o mais covarde e cruel dos animais. Como predador, ele está longe de ser como o leão ou o leopardo, que abatem sua presa e devora a carne fresca. O homem mata para comer depois - ou para comer os restos. É um carniceiro de quinta categoria, uma hiena. É o único que abate os da sua espécie. É o único que atira suas crias no lixo. É o único que mata por prazer - muitas vezes absolutamente convencido de que há nisso uma missão divina.
O atirador Wellington Oliveira era essa criatura com a qual todos temos medo de nos encontrar. Mas quanto de Wellington há em nós e quando de nós havia nele até que perdesse a noção e se transformasse naquilo que agora choca o Brasil e o mundo?

segunda-feira, 4 de abril de 2011

A maldição do data show




Estive nos últimos dias no Mato Grosso, onde participei de alguns eventos voltados ao meio ambiente. Entre outras coisas, vi uma palestra do Amyr Klink. Decepção. Esperava que ele falasse sobre a arte da superação, sobre o que é a mais negra, profunda e absoluta solidão e coisas do tipo. No entanto, ele passou o tempo todo falando sobre a construção de barcos e os transtornos familiares causados por suas viagens. Deve ter quem goste. Paguei com uma ruidosa salva de... bocejos!
Mas o que eu queria falar mesmo é sobre o quanto a tecnologia está influenciando - negativamente - na qualidade das palestras. Ninguém mais consegue falar sem o auxílio do data show. A impressão que dá é que ninguém mais consegue dominar razoavelmente determinado conteúdo sem o auxílio dessas engenhocas. Muita gente, que se apresente com o grau de mestre e doutor, age durante suas palestras como meros leitores de textos projetados no telão. E ainda há os que são maus leitores e - pior - maus interpretadores do que está escrito.
Não sei quanto a vocês, mas de minha parte me confesso farto de gente que resume suas palestras a uma leitura coletiva de transparências e apresentações em power-point. Até parece que nunca se transmitiu conhecimento de outra forma. Fico imaginando Moisés descendo a montanha, reunindo todo mundo e dizendo: "Vou fazer um resumo do que rolou lá em cima, mas primeiro me arrumem um data show"...

Hule Hanusic - Áustria