sábado, 9 de abril de 2011

Gordura na consciência



Estou me sentindo meio gordo. Três vezes nesta semana, fui a um restaurante que serve carne grelhada. Prefiro tudo mal passado. De preferência, pingando sangue. Com os complementos a que todo glutão tem direito: massas, quitutes e muita batata. Como sou disciplicado para comer (nada entre uma refeição e outra, até por absoluta falta de tempo), sempre acho que posso abusar nessas horas.
Descobri que vou a esse restaurante - e pego sempre a mesma mesa - também porque uma moça encantadora vem a todo instante repor os alimentos na aparadouro. Ela sorri para todos, inclusive para mim. Outro dia, sorrindo para ela enquanto comia um torresmo, mordi a ponta do dedo indicador, criando uma situação constrangedeora.
De uns tempos para cá, num sentimentalismo hipócrita e piegas, comecei a observar um pedinte que ronda o restaurante e a me condoer com a sua situação. Eu o apelidei de Marechal, pois tem uma barba e um jeitão que lembra muito o marechal Deodoro, só que suas roupas são todas puídas e carrega um monte de bugigangas em dois ou três sacos que sempre arrasta de uma sombra a outra, sob as árvores próximas, fugindo do calor nesses dias de abril.
O Marechal descobriu meu fraco. Encosta na janela do restaurante e fica olhando cada garfada minha, cada movimento do maxilar, cada engolida. Eu me sinto um verme, uma ameba, um protozoário, um desses organismos unicelulares, primitivos, atrasados, por ter em frente um prato de comida e não conseguir comer direito porque do lado de fora está o que a demagogia oficial rotulou de excluído.
Comprei uma marmita para o Marechal, mais por curiosidade (que vergonha!) do que por ato solidário. Aconteceu o que eu previa: ele quase que devorou tudo sem tirar o papel alumínio, lambendo depois os dedos, ainda na sofreguidão da fome infinita. Pensei em não voltar mais ao restaurante, estou precisando perder peso. Mas a boa comida e o sorriso da moça das travessas compensam o olhar inconveniente do Marechal. De um jeito ou de outro, todos temos que preencher esse vazio interior.

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