sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Anjos do pó



Perdi uma pessoa da família vítima de overdose. Um primo de 20 anos. Foi na madrugada de quarta-feira. Passei a noite de quinta para ontem no velório, ajudando a confortar os tios, alquebrados, inconformados com o desfecho trágico de uma vida que se finda tão cedo. O sepultamento foi ontem, às 10 da manhã. Eu tenho 47 anos - portanto, tinha 27 quando ele nasceu. Carreguei no colo, contei histórias, vi seus primeiros passos e as primeiras palavras que ele disse entre os brinquedos da infância.
Durante toda a noite, cochichos e sussurros pelos cantos da capela mortuária. Numa espécie de pacto para não melindrar ainda mais os familiares, todos comentavem na surdina a causa da morte. Nas últimas semanas, ele havia emprestado dinheiro de agiota para comprar cocaína. Estava sendo procurado por agiota e traficante. Desde a sexta-feira (12) estava abrigado na casa de um parente, a 30 quilômetros de sua casa. Os familiares sofrendo ameaças e chantagem dos criminosos. Na manhã de quarta-feira, como se demorava para sair da cama, alguém foi acordá-lo. Estava morto e com sangue na boca.
Muitos jovens passaram pelo velório, cenas comoventes dos amigos dando as mãos e fazendo suas orações. Como saber dentre eles quais os que compartilhavam as drogas? Agüentei firme até o cemitério, mas não pude conter as lágrimas quando, aberto o caixão para o último adeus, minha tia se debruçou, beijou o rosto frio e pálido do rapaz e sussurou: "Adeus, minha alegria". Pensei comigo que para algumas pessoas se aplica melhor a frase "Do pó vieste, ao pó retornarás".
Por fim, a conclusão óbvia, mas agora muito mais dolorida: perdemos a luta contra o tráfico.

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Golpes baixos terão resposta à altura.